No último ano, 27,6 milhões sofreram com a violência de gênero. Entender a fundo o que tem impulsionado a violência contra a mulher é fundamental para combatê-la.
Número recorde de assédios sexuais. Crescimento alarmante das formas mais letais de violência contra mulher. Aumento de mais de 10% nos relatos de violência doméstica em dois anos. Segundo relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, ficou ainda mais perigoso ser mulher no Brasil – principalmente para mulheres negras, separadas, economicamente ativas e com pouca escolaridade. Mas por que esses índices tiveram um crescimento tão preocupante no último ano? Para a diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, o aumento da violência contra a mulher está associado a três diferentes fatores.
Entender as causas desse aumento é tão importante quanto detectá-lo. Em entrevista para a Folha, Samira apontou o desfinanciamento das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher nos últimos quatro anos, realizadas pelo Governo Federal, como uma delas. O Inesc mostrou que em 2022 a área recebeu o menor orçamento da última década, e que em 2020, 70% dos recursos destinados a esta frente simplesmente não foram utilizados. A pandemia de COVID-19, por outro lado, também comprometeu seriamente os serviços de acolhimento às mulheres em situação de violência, restringindo os horários de funcionamento, impondo medidas necessárias de isolamento social e reduzindo as equipes: “Estamos falando de diversos funcionários públicos afastados por serem considerados grupo de risco e isso precarizou na ponta o atendimento” afirmou a diretora.
Para Samira, a ação de grupos ultraconservadores foi outro forte agravante. A igualdade de gênero enquanto política pública, um alvo constante destes círculos, foi diretamente atravessada pela radicalização. “Mas isso ficou claro na gestão do [ex-presidente Jair] Bolsonaro com a criação do Ministério da Família e das tentativas da [ex-ministra e agora senadora] Damares Alves de impedir meninas grávidas em decorrência de estupros a realizarem um aborto”. Analisando como o extremismo atravessou a agenda de gênero de países como Indonésia, Bangladesh e Filipinas, ela pontua que a radicalização na agenda política brasileira teve muitos efeitos negativos na proteção de meninas e mulheres – e a ampliação no acesso a armas de fogo é um exemplo disso: entre 2018 e 2022, o número de brasileiros com autorização para possuir armas de fogo cresceu 7 vezes, ao passo que no ano passado, 3,3 milhões de mulheres foram ameaçadas com arma de fogo no Brasil, um aumento em comparação a pesquisa anterior. Em 2020, uma em cada duas vítimas de feminicídio do país foram mortas a tiro.
A pesquisa do FBSP mostra que também houve forte queda no número de casos de violência que ocorrem nas ruas, mesmo com o afrouxamento das medidas de isolamento para COVID-19: de 39,1% em 2017 para 17,6% em 2023, acompanhando uma redução de 14% no número de pessoas que presenciaram violência contra mulheres no mesmo período. No entanto, a casa ainda é o local menos seguro para mulheres, abrigando 53,8% das ocorrências mais graves de violência. Isso pode indicar que a sociedade está mais intolerante à violência de gênero, o que parece inibir ações em locais públicos, embora nos espaços privados, a vida das mulheres permaneça sob grande risco: “O brasileiro está mais sensível a essa causa, mas isso não significa que os índices vão cair – mas a população está menos conivente.”
Este conteúdo foi escrito em colaboração com Rubiana Viana.
Referências:
- FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA E DATAFOLHA INSTITUTO DE PESQUISAS. Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil – 4ª edição – 2023.
- FOLHA DE S. PAULO. Todas as formas de violência contra mulher aumentam em 2022, diz pesquisa. 2023.
- INESC. Orçamento para combater a violência contra a mulher em 2022 é o menor dos últimos 4 anos. 2022.
- G1. Número de brasileiros com autorização para ter arma aumenta 7 vezes durante mandato de Bolsonaro. 2023.
- G1. Arma de fogo é instrumento mais utilizado em assassinatos de mulheres no Brasil. 2023.