Ela tem feito história há 40 anos – e o Prêmio Nobel é um glorioso novo capítulo. Conheça seus estudos e saiba por quê.
Na manhã do dia 9 de outubro deste ano, Claudia Goldin foi acordada por um telefonema especial: aos 77 anos, a professora e pesquisadora nova-iorquina tornava-se vencedora do prêmio Nobel de Economia pela investigação que empreendeu, ao longo dos últimos 40 anos, à manutenção da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Ao reconhecer os trabalhos da pesquisadora, o comitê do Prêmio Nobel afirmou que a erradicação das disparidades de gênero é fundamental para que o mundo encontre soluções mais sustentáveis e eficientes no uso dos recursos econômicos da sociedade, reforçando a importância dos achados de Goldin. Muito do que se sabe hoje sobre o tema tem sido objeto de estudo da Nobel há mais de 30 anos, e essa premiação é o momento perfeito para conhecer sua contribuição para um mercado de trabalho mais igualitário.
Pioneira e inovadora
Goldin começou a se dedicar ao estudo da desigualdade de gênero já nos anos 80, e em 1990 publicou o livro “Understanding the Gender Gap: An Economic History of American Women”, após se debruçar em 200 anos de arquivos históricos sobre mulheres norte-americanas e o mundo do trabalho. Com essa publicação, ela causou um enorme impacto nos estudos sobre desigualdades de gênero e consagrou sua profunda pesquisa documental como uma das mais inovadoras – não por acaso, Goldin descreve seu trabalho como de uma detetive: “Eu sempre me vi como uma detetive”, diz. “Ser uma detetive significa que você tem uma questão e que essa questão é tão importante que você fará de tudo para solucioná-la”.
Nesse estudo, Goldin concentrou-se em buscar informações sobre momentos históricos que possuíam dados esparsos ou ausentes e descobriu que a participação feminina no mercado de trabalho não cresceu de modo linear e ascendente, acompanhado o crescimento econômico como se imaginava, mas em uma curva em “U”. Isso porque apesar dos registros do século XIX definirem a ocupação das mulheres casadas como “esposas”, boa parte delas já trabalhava com suas famílias na agricultura e nos pequenos negócios. A industrialização, no entanto, reduziu a participação dessas mulheres, uma vez que o trabalho nas fábricas dificultava o equilíbrio com a vida familiar. Foram as mudanças societais do século XX que ampliaram mais uma vez o ingresso de mulheres no mercado de trabalho, como se sabe.
Por que a desigualdade persiste?
Para Goldin, as transformações dos papéis da mulher ao longo dos séculos constituem um dos mais importantes avanços sociais e econômicos da humanidade. Mas apesar disso, nos últimos dois séculos a desigualdade entre homens e mulheres no trabalho caiu de forma lenta e esporádica, marcada por alguns poucos momentos de mudança brusca, como a abertura de postos de trabalho na década de 1940 e a “revolução silenciosa” – nome que ela deu, em 2006, às transformações sociais impulsionadas pela pílula anticoncepcional nos anos 70. Goldin argumenta que a maternidade tem forte influência nessa disparidade: as mulheres hoje participam mais do mercado de trabalho, mesmo com os impactos da pandemia, mas no início do século XX um grande número deixava os empregos após o casamento, e poucas retornavam – movimento observado também no Brasil. Isso explicaria, em parte, o crescimento lento da participação feminina no século passado.
Em 2014, Goldin percebeu que a diferença salarial por gênero é menor no início das carreiras – no Brasil é de 11%, metade da disparidade encontrada nos outros segmentos –, mas isso muda quando as mulheres se tornam mães. O mercado de trabalho contemporâneo recompensa melhor os trabalhadores mais disponíveis às jornadas longas e inflexíveis. Como as mulheres têm maiores responsabilidades no cuidado dos filhos, elas acabam em desvantagem ao tentar equilibrar a rotina, sem conseguir progredir nas carreiras, aumentar seus salários ou até manter seus empregos. “Isso não significa que as mulheres abandonam a força de trabalho, significa que elas assumem posições em que a flexibilidade é mais barata. É o custo da flexibilidade que realmente importa” afirma Goldin.
Ela também analisou que a discriminação salarial aumentou com a expansão do setor de serviços – o que está associado à forma como a produtividade começou a ser mensurada nesse segmento. No contexto brasileiro, as mulheres são maioria nas ocupações informais, que permitem maior flexibilidade, mas geram menores ganhos e mais insegurança socioeconômica. É por isso que apesar das políticas que promovem a presença feminina no mercado de trabalho e das ações para equiparar os salários, a desigualdade persiste.
A solução de Goldin
Há dez anos a pesquisadora alerta para a necessidade de todas as pessoas, não apenas mulheres, terem mais controle sobre sua própria rotina de trabalho, algo que demanda mudanças estruturais. Ela afirma que ações governamentais e uma divisão mais igualitária do trabalho doméstico são importantes, mas enfatiza que a saída ainda é flexibilizar as jornadas de trabalho e reformular o sistema de remuneração para trabalhos mais flexíveis ou de meio período. Para a vencedora do prêmio Nobel, o pós-pandemia é o momento ideal para semear essa ideia.
Goldin acredita que as mulheres foram as responsáveis pelo surgimento da economia de trabalho moderna, provocando grandes variações nos padrões comportamentais econômicos com sua participação no mercado de trabalho. Para ela, sua premiação simboliza o reconhecimento não apenas de grandes ideias, mas de mudanças a longo prazo. Seus estudos mostram que as mudanças mais impactantes só ocorrem quando o grupo que adotou um novo comportamento alcança uma certa idade e começa a afetar as escolhas e expectativas das mulheres mais jovens. As transformações que as mulheres causam no mundo do trabalho hoje influenciam o futuro das nossas meninas.
Claudia Goldin é PhD pela Universidade de Chicago e professora em Harvard, além de co-diretora do Grupo de Estudos sobre Gêneros na Economia do National Bureau of Economic Research (NBER). Nos anos 90, foi a primeira mulher a receber uma oferta de cargo no departamento de economia de Harvard e a terceira a vencer o prêmio Nobel desde sua criação – a única a ganhar o prêmio solo. Derrubando cotidianamente as barreiras erguidas pelos estereótipos e preconceitos, não surpreende a sua sensibilidade e determinação na busca por respostas. Só podia mesmo ser uma mulher.
Este conteúdo foi escrito em colaboração com Rubiana Viana.