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Se o ambiente é misógino, não diga às mulheres que elas têm síndrome da impostora

Quando o assunto é liderança feminina, a síndrome é uma pauta recorrente. Mas para lidar com o fenômeno que atormenta a saúde mental das mulheres é hora de contestar as estruturas.

Sentimentos de incompetência, autocrítica exagerada e dúvidas sobre as próprias capacidades e conquistas. Estas são as principais características da síndrome do impostor, um sintoma psicológico que faz das mulheres suas principais vítimas: segundo o levantamento da KPMG, 75% das executivas americanas pesquisadas já viveram a síndrome da impostora em algum momento da carreira. Mas por que o público feminino tem sua saúde mental tão afetada por este fenômeno? 

As psicólogas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes criaram o conceito de síndrome de impostor em 1978 ao analisar mulheres que, mesmo com performances excepcionais, possuíam imagens depreciativas sobre elas mesmas. O contexto histórico e cultural não foi considerado naquele momento e, ainda hoje, segue sendo menosprezado. Como resultado, os esforços para lidar com essa síndrome acabam concentrando-se sempre no indivíduo – o que certamente deveria nos preocupar.

O estudo Tackling Social Norms: A game changer for gender inequalities, realizado pelo programa de desenvolvimento da ONU, pontuou que em relação à população mundial, 90% das pessoas têm algum preconceito contra mulheres, seja econômico, político, educacional ou social. Além disso, 50% das pessoas acreditam que homens são melhores líderes políticos e 40% afirma que homens são melhores CEOs, uma crença que infelizmente não se altera quando mulheres alcançam cargos de destaque. Segundo o Índice de Liderança de Reykjavik, nos países do G7, menos da metade das pessoas se sentem confortáveis em ter uma mulher como CEO de uma grande empresa ou como líder política em seu país. O mais preocupante  é que as gerações mais jovens (entre 18 e 34 anos) apresentam as piores tendências misóginas.

No Brasil, segundo a Ipsos, 1 em cada 3 brasileiros se sente desconfortável por ter uma liderança feminina, embora as mulheres ocupem apenas 37,4% dos cargos gerenciais e representem 18% das cadeiras no congresso. Mulheres que são as primeiras ou as únicas em suas posições frequentemente relatam a síndrome da impostora, enfrentando preconceitos e estereótipos de gênero quase todos os dias. É cada vez mais evidente que a insegurança, a sensação de incompetência e a exacerbada falta de autoconfiança são, na verdade, os efeitos visíveis de uma discriminação sistemática. A síndrome da impostora é um fenômeno também social – não por acaso, ela não é classificada pela OMS como uma patologia mas como um sintoma. 

Se diferentes espaços e contextos são capazes de abrigar práticas tão adoecedoras, é igualmente possível impulsionar neles ações positivas para a saúde mental, contribuindo para o fim desse fenômeno. As organizações podem evitar a síndrome da impostora ao promoverem a escuta ativa e o acolhimento, combaterem vieses e preconceitos na cultura organizacional, impulsionarem mais mulheres nas posições em que são minoria, como na gestão, e apostarem em um ambiente de trabalho que valorize o pertencimento.  

Sem questionar o status quo, continuaremos a produzir este sintoma nefasto, que gera tanto sofrimento às mulheres. O primeiro e definitivo passo certamente é parar de reduzir o problema à esfera individual e tratar de vez suas raízes estruturais.

Esse post foi escrito em colaboração com Rubiana Viana.

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