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Quantas violações sofrem as vítimas de um assédio sexual?

As consequências desta violência não podem ficar em segundo plano: é hora de falar do que acontece com uma mulher depois que ela é assediada.

Insinuações veladas ou explícitas, gestos grosseiros, frases embaraçosas e ofensivas; comentários sexistas, perguntas e convites impertinentes, toques indesejados e não consentidos. O assédio sexual tem efeitos devastadores no ambiente de trabalho: apenas em 2022, essa violência atingiu quase 20% da população feminina no país, causando consequências severas à integridade das vítimas. É assédio todo comportamento ou conduta indesejada e não consentida de caráter sexual, sendo um único ato que viole a integridade da vítima  suficiente para qualificar o crime. Mas frequentemente as vítimas de uma conduta inadequada se veem diante do silenciamento e da solidão. Saber como essas agressões se manifestam e as suas consequências são uma poderosa ferramenta de enfrentamento, mas atenção: trouxemos alguns relatos reais para ilustrar este conhecimento que podem ser gatilhos para algumas pessoas sensíveis.

Denúncias e relatos de assédio sexual em ambientes de trabalho que ilustram com exatidão o ciclo do assédio nas organizações em todas as suas etapas infelizmente não são raras. As denúncias feitas pela deputada Bella Gonçalves contra o professor e pesquisador Boaventura de Sousa Santos narram detalhadamente como essa violência acontece e as muitas consequências que sobram para a vítima: “Um dia, ele pediu para marcar uma reunião no apartamento dele. Colocou a mão na minha perna. Falou que as pessoas próximas dele tinham muita vantagem e sugeriu que a gente aprofundasse a relação”. Ao ir embora e recusar a ofensiva, a deputada não imaginava o que viria. “Ele humilhou nossos trabalhos. Meu ex-companheiro chorava muito. (…) Ali identifiquei que você poderia ter vantagens por estabelecer relações afetivas e sexuais com professores. Mas, se você nega, é punida por isso”. 

Quando o assédio ocorre dentro das organizações, relações de hierarquia são utilizadas como formas de coagir a vítima dentro uma cultura permissiva que se omite diante da violência, deixando-as vulneráveis e sozinhas: “(…) Se ele tem o poder, você tem que fazer, tem que fazer o que ele mandar, independente do que seja”, diz uma das vítimas do ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães, denunciado por assédio sexual ainda em 2022. Segundo a pesquisa “O ciclo do assédio sexual no ambiente de trabalho” que realizamos em 2020, mulheres que sofreram esse tipo de agressão relataram sentimentos como raiva, nojo, medo, impotência e humilhação, além de vergonha e culpa – sim, 10% das vítimas do assédio sentem-se culpadas pelos abusos que sofreram, resultado do desamparo, da aflição e da misoginia. Ao comentar as marcas psicológicas da agressão que sofreu, uma das mulheres que denunciou Pedro Guimarães demonstra como o assédio desperta esses sentimentos nas vítimas: “Tenho pânico de ter que trabalhar com ele. Tenho medo da pessoa”. A líder Mapuche Moira Millán, outra vítima de Boaventura de Sousa Santos, faz uma afirmação similar: “Eu realmente estava em suas mãos. Essa sensação me gerou medo e ira”.

Essas violações podem causar por si só diversos danos na saúde das vítimas, incluindo transtornos psicológicos e psicossomáticos. Um estudo da Universidade de Pittsburgh revelou que pessoas que sofreram assédio sexual têm até duas vezes mais chances de sofrerem com pressão alta e insônia, o que pode levar a transtornos subsequentes como doenças cardiovasculares, além de ter três vezes mais chances de desenvolver ansiedade e depressão. Mas sendo uma agressão pautada em relações de poder e dominação, quando o assédio sexual ocorre em ambientes tóxicos, ele pode ter muitos agravantes. O caso da deputada Bella Gonçalves demonstra bem isso: sem apoio ou acolhimento, ela precisou arcar sozinha com as consequências dessa violência e vivenciou seus efeitos no próprio corpo. “Meu cabelo começou a cair (…) Tive prejuízos psicológicos, emocionais e financeiros. Mudei de país, larguei uma bolsa de estudos, os danos são irreparáveis”. 

A pesquisa Think Eva também mostrou que cerca de 30% das vítimas relatam diminuição na confiança em si e nos outros e o auto-isolamento após o episódio de assédio – o que pode ser consequência da agressão, mas também da denúncia. As mulheres que denunciaram o jornalista Gérson de Souza por esse crime contam que mesmo depois do seu afastamento, diversas falhas no processo de resolução do caso contribuíram para a continuidade da violência no ambiente de trabalho. Por conta disso, uma das vítimas desenvolveu enxaqueca, úlcera e doenças autoimunes, como vitiligo e doença de Crohn. “Levava comida e comia fria dentro do carro, porque eu não tinha coragem de ir ao refeitório esquentar. Queria sumir. Não sei como aguentei”. O Tribunal Superior do Trabalho reconheceu que transtornos desenvolvidos por conta do assédio sexual também podem ser considerados doenças ocupacionais, garantindo às vítimas todos os direitos cabíveis. Mas os impactos de um abuso podem acompanhar a vida dessas pessoas por anos: segundo estudo da American Association of University Women, 38% das mulheres que sofreram assédio sexual no trabalho deixaram o emprego muito antes do planejado e 37% afirmam que essa violência impediu avanços na carreira. O nosso levantamento também alerta para algo preocupante: todo os danos causados pelo assédio sexual tem maior impacto nas mulheres negras e pobres.

Para quem convive com assédio, tarefas simples da rotina de trabalho tornam-se angustiantes. Uma coordenadora de projetos que foi assediada pelo chefe por longos três anos conta que a rotina de agressões apagou o brilho do seu primeiro emprego: “Eu amava meu trabalho, era boa no que fazia e aprendi muito com meu chefe. Mas paguei um preço alto. Ir até a sala dele se transformou num momento de tortura”. Por isso, se você viveu algo parecido ou conhece alguém que passou por isso, saiba que assédio sexual é crime. Se possível, faça uma anotação, descrevendo com o maior número de detalhes que você conseguir lembrar, como, onde e quando a agressão aconteceu. Tente se recordar de pessoas que testemunharam e peça ajuda e orientação de pessoas de confiança para realizar uma denúncia. Não hesite em buscar apoio psicológico. Ao presenciar uma situação de assédio, não se silencie: ofereça apoio e acolhimento à vítima. Ajude-a buscando orientação, disponibilize-se como testemunha ou faça uma denúncia, mesmo que anônima. 

Este conteúdo foi escrito em colaboração com Rubiana Viana.

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