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O que o “S”​ do ESG tem a ver com o #8M?

“Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”

No século passado, a pensadora feminista Simone de Beauvoir já apontava que, por mais que tenhamos conquistado alguns avanços, a dignidade feminina nunca estará assegurada. Estes retrocessos se deram na prática nos últimos anos, em que atravessamos simultaneamente uma crise sanitária, política, econômica e climática.

Em todos os âmbitos da vida, as mulheres têm sofrido consequências gravíssimas:

  • Uma em cada quatro mulheres (24,4%) foi vítima de algum tipo de violência na pandemia no Brasil. (1)
  • 46,7% das mulheres que sofreram violência também perderam o emprego. A média entre as que não sofreram violência foi de 29,5%. (1)
  • Em 2020 teve uma queda de 14% da participação feminina na força de trabalho, em relação a 2019. (2)
  • Metade das mulheres brasileiras passou a cuidar de alguém durante a pandemia (filhos, idosos, pessoas com deficiência ou outras crianças). (3)
  • Impacto da pandemia nos sistemas de saúde reprodutiva levou a 1,4 milhão de gravidezes indesejadas. (4)

Quando falamos de mulheres negras, indígenas, quilombolas, com deficiência e LBTI+, as violências se sobrepõem e os impactos são ainda mais desproporcionais. São problemas estruturais que se refletem nesta e nas futuras gerações e ainda assim passam ao largo conversas sobre políticas públicas, sobre negócios ou pela atenção da imprensa.

Mas o objetivo deste texto é falar diretamente ao mundo corporativo e a todos os profissionais que se relacionam com a pauta ESG. A sigla da moda já chega tarde como movimento que debate o papel das empresas nas questões climáticas, sociais e de governança, como as próprias iniciais sugerem. A conversa em torno do SOCIAL, aquele S do meio, é a mais negligenciada. Aparece esquecida ou trabalhada de maneira superficial e cosmética. As mulheres, em suas diferentes origens, vivências, territórios e sexualidades, receberam pouca ou quase nenhuma atenção no debate sobre o futuro dos negócios.

Nosso objetivo é colocar luz sobre esta lacuna e convocar o setor privado a assumir seu papel político dentro da sociedade. Não falamos aqui de política institucional e partidária, importante não confundir. Falamos de entender que como um organismo que influencia e é influenciado pela sociedade, uma empresa precisa se posicionar de maneira contundente perante as chagas sociais do nosso país, atuando dentro e fora de seus muros. E isso não passa por distribuir flores no Mês da Mulher ou em veicular grandes manifestos antirracistas em novembro. Passa por assumir uma atitude institucional com um propósito claro: deixar um legado para a sociedade.

E quando falamos de legado para as mulheres, elencamos três fatores que são determinantes para a dignidade feminina:

1. Valorização e o acolhimento à maternidade

A maternidade e os trabalhos de cuidado em geral (idosos, crianças, pessoas com deficiência, enfermos não hospitalizados) é um dos principais entraves para a participação feminina no mundo do trabalho. Estudo realizado pela FGV revela que 50% das mães perdem o emprego nos primeiros anos de seus filhos.

Longe de uma abordagem condescendente, valorizar e acolher a maternidade é criar políticas de licenças estendidas, salas de amamentação, incentivo à participação paterna nas responsabilidades com a criança, flexibilidade no horário de trabalho, auxílio com creches e redes de apoio. É colocar metas para contratação de grávidas e retenção de funcionárias mães de crianças pequenas, colaborando para a diminuição dos números alarmantes acima. Além de ser exemplo, o legado também se constrói ao ser vocal e se colocar politicamente e em público contra tudo o que invisibiliza a dignidade das mães.

2. Combate à violência sexual e doméstica

O assédio sexual acomete 47% das mulheres que trabalham. Entre mulheres negras e pardas, este número é ainda mais alto (53%). Entre as vítimas, uma em cada seis pede demissão. Mulheres que vivem situações de violência em casa estão ainda mais vulneráveis. Uma em cada cinco faltas ao trabalho são relacionadas às consequências da violência doméstica. Algumas empresas têm oferecido programas de incentivo à denúncia e apoio às vítimas, mas as intenções ainda não se equiparam aos resultados necessários. Uma política de tolerância zero precisa ser assumida publicamente, inclusive no apoio aos movimentos de mulheres da sociedade civil, que há anos estão na linha de frente desta luta.

3. Fomento à empregabilidade e à carreira das mulheres

Muitas multinacionais propõem metas agressivas de contratação, retenção e promoção de mulheres em seus quadros. Ainda que o horizonte seja promissor, na prática o mercado masculino, feito por homens e para homens, ainda condiciona as mulheres, sobretudo as negras e pobres, à marginalização. Empreendedorismo por necessidade, informalidade e trabalhos precários e mal remunerados são os campos onde a maioria numérica é composta por mulheres. As empresas que olham apenas para seu quadro de colaboradoras estão sendo, automaticamente, excludentes, afinal, a parcela de mulheres que têm condição de acessar o mundo corporativo é mínima. Sem ações afirmativas que extrapolam os muros das companhias, as empresas seguirão perpetuando desigualdades. E como sociedade seguiremos valorizando conquistas individuais em detrimento de avanços coletivos.

Assegurar a dignidade feminina não cabe, obviamente, apenas ao mundo corporativo. Mas o papel dele é fundamental para que as mulheres possam encontrar meios de sobrevivência e autonomia para além de uma carreira corporativa. Essa é a atuação política que as mulheres esperam do setor privado. Esse é o debate urgente que precisamos fazer neste mês de março. Marcas e empresas que ainda não entenderam seu papel estão perdendo espaço em um mundo novo que começa a se desenhar, que sente pressa em resgatar o que é da ordem do cuidado e do humano. A pauta ESG é uma transição importante para um novo modo de produção e relação pautado no que realmente importa: a vida.

Fontes:

  1. Relatório visível e invisível – A vitimização de mulheres no brasil 
  2. Pandemia deixa mais da metade das mulheres fora do mercado de trabalho – 01/02/2021
  3. Sem parar: O trabalho e a vida das mulheres na pandemia
  4. Impacto da pandemia nos sistemas de saúde reprodutiva levou a 1,4 milhão de gravidezes indesejadas – Jornal O Globo

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