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Segregação ocupacional? O problema das carreiras com poucas mulheres pode ter origem nas salas de aula

Para pesquisadores do NIED – UFRJ, essa desproporção não é ocasional, mas é gerada por rótulos e estereótipos. Como resultado, surge um fenômeno ainda pouco conhecido: a segregação ocupacional.

As mulheres sempre tiveram trajetórias educacionais mais curtas que os homens, mas os marcos sociais do último século trouxeram mudanças cruciais para esse cenário, que logo foi transformado. Ao longo das décadas, elas superaram os homens em números de matrículas e diplomas de graduação e passaram a representar 54,2% dos estudantes de mestrado e doutorado no país. Mas o aumento na escolarização feminina não amenizou a desigualdade no mercado de trabalho, já que homens e mulheres optam, sistematicamente, por cursos diferentes. É o que conclui o artigo Azul ou rosa? A segregação de gênero no ensino superior brasileiro, 2002-2016 de Tayná Mendes em colaboração com pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Desigualdade da UFRJ. 

O estudo indica que, apesar de as mulheres apresentarem maiores níveis de instrução, elas ainda concentram-se nos cursos com os piores retornos socioeconômicos, associados à docência e ao cuidado, enquanto os homens são maioria nas carreiras técnicas e analíticas, que possuem os melhores salários. As escolhas são induzidas pelos estereótipos de gênero presentes em diferentes dimensões da sociedade, inclusive nas salas de aula, onde estudantes se deparam com milhares de rótulos e crenças sobre comportamentos masculinos e femininos  considerados “adequados”. Há raízes históricas nisto: a lei escolar do Brasil imperial impedia mulheres de aprender livremente a matemática, restringindo sua educação à economia doméstica. Hoje, elas representam apenas 19,3% dos engenheiros do país.

“Mulheres crescem em um ambiente saturado de informações sobre comportamentos “adequados” e estereotipados do ponto de vista do gênero, que são constantemente reforçados por familiares, professores e outros membros de suas redes de sociabilidade (…) Isso sugere implicitamente que as preferências masculinas e femininas são diferentes quando se trata de família (mais importante para as mulheres) e trabalho (mais importante para os homens), o que gera processos de autosseleção ao entrar no ensino superior.”

Tayná Mendes, Mestranda em Sociologia pelo PPGSA/UFRJ e Pesquisadora do NIED/IFCS

Na última década algumas graduações predominantemente masculinas reverteram seu quadro de desigualdade, o que não se repetiu nos cursos de maioria feminina. Isso porque embora elas recebam muitos incentivos para se inserir nas áreas em que são minoria, os homens sofrem perdas culturais e econômicas muito grandes se realizam esse movimento. A desvalorização social e financeira de carreiras majoritariamente femininas, como o cuidado, têm origem na divisão sexual do trabalho. São atividades historicamente atribuídas às mulheres que foram por muito tempo executadas sem remuneração ou reconhecimento, baseadas apenas em estereótipos de gênero. Não por acaso, no Brasil, homens são apenas 7% dos estudantes de pedagogia e 19% dos professores da educação básica.

Reduzir a segregação ocupacional é importante, mas não é o suficiente para acabar com a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. A desigualdade salarial, por exemplo, persiste mesmo entre homens e mulheres de mesma formação, um dado que piora nos cargos de diretoria e gestão. A situação das mulheres negras é ainda mais preocupante: elas podem receber até 159% menos do que homens brancos com a mesma escolaridade. Segundo o Insper, uma mulher negra formada em medicina chega a receber menos da metade que um homem branco com a mesma titulação. No Brasil, a medicina é um dos cursos mais igualitários no que diz respeito a gênero, embora ainda seja uma das graduações com menor percentual de pessoas negras. Assim, para acabar de vez com a desigualdade de gênero é preciso combater os estereótipos, vieses e preconceitos presentes também na sociedade. 

Este conteúdo foi escrito em colaboração com Rubiana Viana.

Referências:

  • Mendes, T., Houzel, L., Milanki, B., Medeiros, C., Rocha, F. E., Elgaly, P., de Almeida, V., & Carvalhaes, F. (2021). Azul ou rosa? A segregação de gênero no ensino superior brasileiro, 2002-2016. Cadernos De Pesquisa, 51, e07830. 
  • BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Superior 2020: notas estatísticas. Brasília, DF: Inep, 2022.
  • BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Pós-graduação brasileira tem maioria feminina. 2022.
  • EL PAIS. Lei escolar do Império restringiu ensino de matemática para meninas. 2020.
  • ESTADO DE MINAS. Engenharia: número de mulheres interessadas pela área cresce ao logo dos anos. 2022.
  • CONNECT ESCOLAS. Mulheres na educação: veja os avanços e acessos conquistados pelo público feminino. 2022.
  • PIAUÍ. Brasil tem mais docentes mulheres do que homens. 2021.
  • CNN BRASIL. Mulheres ganham 77,7% do salário dos homens no Brasil, diz IBGE. 
  • G1. Na mesma profissão, homem branco chega a ganhar mais que o dobro que mulher negra, diz estudo. 2020.
  • O GLOBO. Negros são maioria na universidade pública, mas não nos cursos concorridos. 2019.

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