Sobrecarga e exclusão ditam os limites da carreira profissional das mães – um problema ignorado pela maior parte das empresas
Apesar de todos os avanços nas discussões sobre igualdade de gênero, o mercado de trabalho ainda penaliza – e muito – a carreira profissional das mães. No Brasil, 69% das mulheres têm ao menos um filho, e 55% delas, cerca de 11 milhões de brasileiras, são mães-solo. Mesmo com o aumento de 14% no número de empresas que dedicam recursos à inclusão e acolhimento de funcionários, muitas ainda falham com essa parcela significativa da população: de acordo com o levantamento da FGV, quase metade das mães brasileiras são demitidas nos primeiros 12 meses após o retorno das suas licenças-maternidade.
Ter filhos impacta a carreira profissional de todas as pessoas, adicionando novos desafios e experiências que ampliam perspectivas e favorecem o crescimento pessoal. Mas o mercado de trabalho trata a parentalidade da mesma forma que a sociedade, responsabilizando apenas mulheres pela criação e cuidado dos filhos. Esses estereótipos de gênero ampliam ainda mais a desigualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho.
Um estudo da Universidade de Chicago mostrou que quando homens se tornam pais as faltas, atrasos, erros e desempenhos negativos começam a ser mais tolerados, e eles passam a ser vistos como mais comprometidos e competentes, o que aumenta as chances de serem indicados em promoções e contratações e negociarem boas ofertas salariais. Enquanto isso, 94% das mães nunca tiveram uma oportunidade de promoção enquanto grávidas ou no retorno das suas licenças e para 49% delas ter filhos dificultou o processo de recolocação profissional, um número que permaneceu em 16% entre os homens.
Além disso, de acordo com relatório “Women in the Workplace” de 2022 da McKinsey, embora mulheres de todos os níveis estejam muito mais envolvidas com o cuidado familiar do que os homens, conforme ambos avançam na hierarquia a responsabilidade deles diminui enquanto a delas permanece a mesma. Se nos níveis iniciais mulheres se dedicam duas vezes mais ao trabalho de cuidado que seus colegas homens, a partir dos níveis gerenciais esse número chega a ser quatro vezes maior!
Ao ignorar esse fato, as empresas colaboram com a sobrecarga e exclusão das mulheres no mercado de trabalho. Só em 2022, 40% das mulheres com três filhos ou mais estavam fora da força de mercado porque precisavam realizar o trabalho doméstico, cuidar das crianças ou de outros dependentes. Entre os homens, o número não chegava a 1%. Segundo o IBGE, mulheres dedicam em média 21 horas semanais ao trabalho de cuidado, 10 a mais do que os homens. Entre as que não trabalham, esse número chega a 24 horas semanais, ou seja, um dia inteiro dedicado às tarefas no lar e aos filhos.
Os desafios começam logo cedo
A falta de apoio também prejudica a jornada educacional das mulheres: apenas 10% das brasileiras de 15 a 29 anos continuam os estudos depois de se tornarem mães. 48% destas jovens abandonam a escola sem sequer concluírem o ensino básico. Os dados do IBGE calculam que uma mulher sem filhos tem 112% mais chances de concluir o ensino superior do que uma mulher com filhos pequenos. Por outro lado, apenas 0,8% dos homens brasileiros com entre 15 e 29 anos precisaram deixar a escola para cuidar de alguém. A baixa escolarização das mães prejudica não só o desenvolvimento profissional como a própria inserção delas no mercado de trabalho.
Mesmo com as políticas públicas que estimulam a empregabilidade feminina, como a Lei Emprega + Mulheres, e com organizações apostando em culturas mais acolhedoras e igualitárias, a realidade ainda está longe da ideal: apenas 16% das empresas oferecem alguma assistência ou apoio às mães no retorno da licença maternidade e outros 53% não oferece nenhum outro benefício aos pais além da licença de 15 dias. Além disso, segundo um levantamento realizado pela Great Place to Work, 47% das empresas brasileiras não possuem nenhuma política voltada à parentalidade, como auxílio creche.
Inclusão também se faz apoiando a permanência de colaboradoras com filhos. Empresas podem tornar o mercado de trabalho mais equânime quando entendem que o cuidado, subsídio da economia, precisa ser compartilhado. Algumas alternativas envolvem oferecer auxílio financeiro para creches ou babás, além de apoiar e incentivar a licença de paternidade estendida. Ir além dos horários flexíveis e permitir modelos híbridos e remotos de trabalho contribui para o acolhimento de mães, assim como oferecer apoio ao bem-estar e à saúde mental delas.
Além dos benefícios, a mudança de mentalidade é fundamental: as organizações precisam acreditar que, com o suporte necessário para evitar a sobrecarga, as mães serão capazes de desenvolver suas carreiras. Os filhos não impedem o sucesso profissional, a desigualdade de gênero sim.
Este conteúdo foi escrito em colaboração com Rubiana Viana.