Quando estão sobrecarregadas, elas demoram muito mais tempo para buscar apoio, e levam sua saúde física e mental até o limite do esgotamento. Por que isso acontece? E como as empresas podem ampará-las?
As mulheres estão esgotadas – e as dificuldades financeiras são a principal fonte de estresse mental. Foi o que concluiu o Laboratório Think Olga desse ano, que abordou a saúde mental das brasileiras no pós-pandemia. A falta de dinheiro, as dívidas, a baixa remuneração e a sobrecarga no trabalho tem adoecido uma parcela assustadora da população feminina, e as mulheres negras sofrem ainda mais: 54% delas estão insatisfeitas ou extremamente insatisfeitas com a própria situação financeira, contra 39% das mulheres brancas. Não poderia ser diferente: o levantamento do Dieese baseado nos dados do Pnad Contínua mostrou que das famílias brasileiras lideradas por mães-solo, 62% tinham uma mulher negra como principal provedora, e, ao mesmo tempo, 63% dos lares chefiados por mulheres negras viviam na extrema pobreza.
A insegurança econômica tem grande impacto na saúde emocional e torna essas mulheres mais vulneráveis ao adoecimento psíquico. Mas, além disso, elas têm direitos humanos fundamentais violados cotidianamente pelos preconceitos racial e de gênero, o que provoca estresse, traumas e insegurança. Elas são 70% das vítimas de mortes violentas no Brasil, e os principais alvos da violência doméstica. Crianças negras também têm 39% mais chances de morrer antes dos 5 anos por doenças evitáveis, e 3,6 vezes mais chances de falecer por arma de fogo, enlutando suas mães. Como consequência, mulheres negras apresentam uma maior incidência de transtornos mentais, como depressão e ansiedade, e doenças psicossomáticas, como hipertensão, doenças isquêmicas do coração e acidentes vasculares cerebrais – os sintomas físicos da sobrecarga mental. Mas apesar de adoecidas, essas mulheres dificilmente serão cuidadas.
As desigualdades sociais e o racismo que atravessa as instituições de saúde impõem barreiras perigosas no acesso de pessoas negras aos serviços de cuidado, o que se repete para mulheres negras. Para o Uol, a epidemiologista e doutora em saúde pela UFBA Emanuelle Góes afirmou que isso leva a população negra a buscar ajuda apenas quando a situação torna-se grave – o que aumenta os riscos de óbito. Ao mesmo tempo, a psicóloga e coordenadora do projeto Casa de Marias, Ana Carolina Barros, afirmou em entrevista para o Nós, Mulheres de Periferia que a associação entre sobrecarga e falta de rede de apoio são fatores cruciais que também levam mulheres negras a postergar o cuidado com a exaustão mental: “Eu entendo que essas mulheres não se percebem como podendo em algum momento usufruir de uma hora de olhar para si, para muitas isso soa fantasioso. Então, a pessoa quando procura ajuda é quando já não tem outra opção”.
Como as dificuldades financeiras impactam a saúde mental das mulheres negras, além de cobrar do setor público políticas de combate às desigualdades e violências, é preciso pensar o mundo do trabalho como parte da solução. Mulheres negras têm a menor taxa de participação no mercado, e por isso, garantir meios para a sua permanência, permitindo-lhes equilibrar vida pessoal e profissional, e consequentemente, alcançar o bem-estar, torna-se crucial. Apoiar mães-solo, oferecer suporte psicológico e acolher mulheres vítimas de violência são ações que empresas podem adotar para fortalecer a saúde mental delas e de todas as funcionárias. Contudo, a erradicação da desigualdade salarial por gênero e raça é também fundamental: a remuneração média das mulheres negras no Brasil é menos da metade da remuneração de um homem branco, e 62% do salário de uma mulher branca. Isso acontece porque mulheres negras frequentemente ficam restritas a cargos de menor reconhecimento e remuneração, tendo poucas chances de capacitação e avanços na carreira – não por acaso, elas são apenas 3% das lideranças nas empresas do país.
Mulheres negras também precisam ser capazes de reconhecer a importância do autocuidado e do apoio comunitário, criando e reforçando redes de apoio para lidar com a pressão cotidiana, potencializar o cuidado de si, a busca pela ajuda profissional e a conexão. O Lab Think Olga mostrou que 91% das mulheres já reconhecem que a saúde emocional deve ser levada a sério e 76% já buscam formas de cuidar dela, principalmente no pós-pandemia. 35% delas também acreditam que o tempo gasto com a família e com os amigos é uma importante fonte de recuperação do esgotamento mental. Autocuidado, laços comunitários e enfrentamento das desigualdades de gênero e raça são a fórmula para levar o cuidado à quem já chegou ao limite.
Este conteúdo foi escrito em colaboração com Rubiana Viana.