Sabemos do que as marcas vivem. Sabemos que reputação importa e que, no final do dia, todas querem de gerar conversas e repercussão a partir de suas iniciativas. Mas existe um caminho entre o discurso e atitude de uma marca e a importância em se assumir a responsabilidade pelo impacto social, especialmente nos duros tempos que vivemos. Este texto não se dispõe a se apoiar em argumentos ingênuos ou propor altruísmo corporativo. Nosso debate sobre o lugar das empresas no texto anterior abre uma reflexão importante sobre ética e estética e sobre quem está de fato ao lado das mulheres, principalmente as negras e pobres, neste momento de pandemia.
Já sabemos que participar dos assuntos da sociedade e assumir suas responsabilidades é a base para participarmos das causas de forma ética. No entanto, o contraponto entre atitude e discurso precisa existir, para que as marcas entendam que todo e qualquer discurso precisa nascer de uma verdade concreta. Caso contrário, estaremos apenas fazendo causewashing (termo utilizado para designar empresas que fazem uso do discurso de causas e movimentos sociais, especialmente de grupos minorizados, para sustentar narrativas de marcas).
Com certeza, esta reflexão sobre atitude e discurso não foi considerada quando uma multinacional decidiu doar R$1 milhão em chocolate aos profissionais de saúde do estado de São Paulo. A mesma empresa que lucrou US$ 325,3 milhões somente no terceiro trimestre de 2019. De um lado, as mulheres na linha de frente dos hospitais – trabalhando sem equipamento adequado e tendo que escolher quais vidas salvar – que receberão algum chocolate. De outro lado, a marca “brand savior” que possui uma nova pauta de PR e um elogio público do governador. Quem ganha mais?
Para continuar na mesma categoria, podemos olhar para duas concorrentes. A Cacau Show anunciou em março a doação de R$1 milhão de reais para o Governo do Estado de São Paulo, destinados principalmente à compra de respiradores. Já a gigante Nestlé Brasil destinou R$55 milhões em iniciativas relacionadas a pandemia. Foram realizadas doações de 800 toneladas de alimentos, bebidas e complemento nutricional para lares de idosos, abrigos, comunidades vulneráveis e cooperativas de catadores, 350 mil equipamentos de proteção individual para a Cruz Vermelha e 470 mil máscaras para o Ministério da Saúde e para 15 cidades onde a empresa atua. Ovos de páscoa também foram doados para hospitais e grupos vulneráveis.
Ao analisar as iniciativas pelos eixos da necessidade coletiva e da entrega de marca, não buscamos a comparação ou tentativas de mostrar como algumas marca são melhores que outras durante a pandemia. Ações não podem ser analisadas de forma isolada, sem levar em consideração toda a cadeia que gira em torno de uma empresa. Como está a realidade de work-from-home das mães que trabalham na empresa que doou álcool em gel? Como é a segurança de trabalho das funcionárias nos centros de distribuição da gigante do varejo que tem realizado tantas iniciativas positivas durante a crise? Qual apoio a empresa de chocolates oferece para as camadas mais básicas da sua cadeia produtiva? Todas estas perguntas têm que ser feitas quando olhamos para marcas, não só em tempos de pandemia, mas sempre.
Nenhuma ação é isolada e sempre estará inserida em uma realidade social e corporativa que precisa ser considerada. A falácia do “pelo menos estão fazendo alguma coisa” não favorece pessoas. Ela favorece empresas – que seguem ganhando de uma forma ou de outra em meio a esta crise. Deixamos aqui nosso convite à reflexão: antes de sair pensando em estratégias para entregar seus produtos (core) para as pessoas na crise, que tal refletir sobre como usar sua estrutura para oferecer o que as pessoas realmente precisam na crise? Ou que tal assumir um compromisso inegociável com as mulheres que trabalham para você, atendendo suas necessidades específicas e cuidando de sua integridade e segurança neste momento?