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Chefes que são mães, funcionários que são filhos

Você é uma mãe-gerente? Mudanças nas relações de trabalho tornaram o cuidado emocional essencial nas organizações, mas os novos desafios estão arrastando mulheres mais uma vez para a sobrecarga e exaustão: conheça o “momaging”.

Com o futuro do trabalho se tornando presente, os fatores mentais e relacionados ao bem-estar  passaram a ganhar cada vez mais destaque, com as empresas tornando-se fundamentais no enfrentamento ao adoecimento psíquico – principalmente pelo impacto que pode ter na saúde mental de seus funcionários. Somente entre 2020 e 2021, mais de 530 mil brasileiros foram afastados do trabalho em decorrência de transtornos mentais, e segundo pesquisa da Kenoby, 60% das empresas afirmaram ter a intenção de investir em cuidados com o bem-estar de seus colaboradores.

Essa nova relação funcionário-empresa foi em muitos aspectos impulsionada pela inserção dos Millennials e da Geração Z no mundo do trabalho. Representando a maior parcela da população economicamente ativa hoje, essas gerações veem o bem-estar como prioridade na hora de escolher uma empresa, contexto no qual as lideranças têm um papel determinante. A pesquisa “Mental Health at Work: Managers and Money” da UKG mostrou que o trabalho afeta o bem-estar de 60% dos trabalhadores, e que segundo eles, sua saúde mental é mais influenciada pelos gerentes do que pelos seus terapeutas. Contudo, um novo dilema se apresenta: mulheres acabam tendo uma grande responsabilidade afetiva na relação com seus subordinados, sentindo-se inteira e individualmente tão responsáveis pela saúde mental de sua equipe quanto pelas entregas.

Empresas que adotam um modelo de cultura corporativa que busca ser acolhedora, sem antes estabelecer uma estrutura formalizada e coletiva voltada para o cuidado, acabam limitando a função de amparo apenas às pessoas quando o ideal seria envolver toda a organização. Ao mesmo tempo, em uma sociedade atravessada por estereótipos que atribuem às mulheres as características de “naturalmente generosas e compassivas”, não é de se espantar que elas se tornem as principais encarregadas por esse trabalho no ambiente organizacional. É o que chamamos de “momaging” (a junção das palavras em inglês mãe e gerenciamento, algo que poderia ser traduzido como “mães-gerentes”). O fenômeno tem se tornado comum entre lideranças femininas que, não por acaso, são as que mais se dedicam ao bem-estar de seus liderados, embora não tenham esse esforço devidamente reconhecido pelas empresas.

 

Uma abordagem mais empática e a maior proximidade nas relações entre liderança e liderados é positivo e traz ganhos mútuos. Considerando as culturas organizacionais com as quais se depararam quando começaram suas carreiras, muitas gerentes veem essa transformação com bons olhos. Mas a dificuldade em estabelecer os limites na convivência ligou um sinal de alerta, principalmente porque seus impactos são sentidos na saúde mental das próprias líderes. O vínculo pessoal se sobrepõe ao profissional, reuniões de trabalho perdem o foco e tornam-se apenas conversas informais, comandos e limites perdem clareza. Por vezes, sem conseguir se posicionar diante do seu time sem que isso seja levado para o lado pessoal, a produtividade – e a saúde mental dessa líder – diminuem .

Perguntamos para as seguidoras da Think Eva no Instagram se elas já perceberam que, no trabalho, por vezes há uma expectativa de que, além de ser chefe, elas tenham que agir como mãe dos colaboradores. 82% delas afirmou já ter reparado nesse fenômeno e 9% relatou que, embora nunca tivesse notado antes, era capaz de identificar que esse comportamento esteve presente em muitos momentos com suas equipes. Ainda que silenciosamente, o momaging acontece com muitas de nós.

Segundo a pesquisa “Women in the Workplace 2022” da McKinsey, mulheres que lideram enfrentam maiores níveis de estresse e burnout. Elas também não estão hesitando em partir para empregos que, mesmo com menor remuneração, oferecem benefícios para sua saúde mental e bem-estar – o que pode ter impactos na desigualdade salarial de gênero. O relatório “Esgotadas” do Lab Think Olga de 2023 revelou que 45% das mulheres brasileiras possuem diagnóstico de transtorno mental, como depressão ou ansiedade, e que a sobrecarga no trabalho é o segundo fator que mais afeta sua saúde emocional, perdendo somente para a falta de dinheiro. Apenas 24% das pesquisadas afirmou estarem satisfeitas com sua relação com o trabalho.

Isso não significa que devemos abdicar das relações de trabalho compreensivas e honestas. Equipes com lideranças empáticas oferecem mais liberdade para que as pessoas sejam quem elas de fato são – em relação a sua orientação sexual e à neurodiversidade, por exemplo. Um vínculo forte e pessoal torna a equipe mais colaborativa e dedicada, permitindo que os indivíduos sejam plenamente acolhidos e respeitados. O problema é quando empresas responsabilizam apenas líderes por esse trabalho: apesar de as organizações falarem cada vez mais em apoiar a saúde mental de seus funcionários, muitas ainda não oferecem benefícios, políticas ou oportunidades para fortalecer essa frente, o que sobrecarrega as gestoras. E mesmo que a preocupação com o bem-estar seja prioridade para mais da metade das empresas brasileiras, 70% delas não possuem um departamento ou profissional dedicado à questão.

Ter uma estrutura sólida é fundamental para que esse novo modelo de relação possa se manter sem sobrecargas e abusos. Isso não apenas ajuda a estabelecer os limites necessários, como também mostra aos funcionários que toda a organização é uma rede de apoio disponível para ser acionada. As empresas podem investir nesse posicionamento com descrições de cargos detalhadas e políticas internas direcionadas à saúde mental e aos cuidados com o bem-estar. Além disso, três  coisas precisam ficar claras: primeiro, nenhum indivíduo consegue solucionar questões organizacionais sozinho, sem o compromisso da empresa com a inclusão. Segundo, as lideranças são responsáveis por apoiar e encorajar seus funcionários a procurar ajuda e cuidado, mas não podem tornar-se suas terapeutas ou serem sobrecarregadas com mais essa função e expectativa. E terceiro, as lideranças mulheres também precisam ser cuidadas.

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