Quais mudanças vão garantir que a meta de igualdade seja alcançada até 2030?
O relatório de 2023 do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) foi incisivo: o mundo não está no caminho certo para alcançar a igualdade de gênero. Segundo o estudo “Breaking Down Gender Biases: Shifting social norms towards gender equality”, 90% das pessoas de todo o planeta têm ao menos um tipo de preconceito de gênero, seja ele político, educacional, econômico ou relacionado à integridade física. Ao menos, 46% das pessoas acreditam que, por exemplo, os homens têm mais direito a um trabalho do que as mulheres.
No Brasil, apenas 15% da população não possui nenhum tipo de preconceito de gênero e quase 40% acredita que homens são os melhores líderes políticos. Mas uma análise realizada entre 2015 e 2019 mostrou que as deputadas brasileiras foram mais eficientes que seus colegas homens na apresentação e aprovação de projeto, mesmo em menor número na Câmara. Durante a pandemia, governantes mulheres também foram as mais bem sucedidas no enfrentamento à covid-19 no mundo. A ideia de que mulheres não são boas na política ilustra perfeitamente como preconceitos de gênero exercem forte influências na sociedade: apesar dos dados confirmarem o desempenho excelente, apenas 10% dos países do mundo possuem ao menos uma mulher ocupando cargos de alto escalão em seus governos.
Segundo o Pnud, as altas taxas de discriminação são consequência das normas sociais de gênero: regras estabelecidas na sociedade que regulam o comportamento esperado de uma mulher. Normas sociais e preconceitos de gênero podem se manifestar de também de forma sutil, como na linguagem. Neste contexto, ela surge, por exemplo, em palavras e expressões que ganham conotações sexistas quando têm seu gênero alterado – como os termos “homem de rua” e “mulher de rua” –, e ainda, nas palavras que se originam ou fazem referência a situações misóginas, como o “tomara-que-caia”, “babydoll” ou “mulher de malandro”.
Essas “sutilezas” acarretam danos maiores: um estudo realizado pela consultoria de comunicação LLYC mostra que mulheres recebem o dobro de menções em matérias sobre assédio e o triplo quando se trata de violência, e mesmo quando o agressor é citado, o termo “mulher” tem 20% mais chance de aparecer na manchete do que “homem”. O levantamento revela uma dupla vitimização na cobertura jornalística de violência de gênero, que ao destacar o perfil das mulheres na sua narrativa, deixa em segundo plano a responsabilidade do autor do crime. O produto final deste tipo de comunicação é a culpabilização da vítima.
Alcançar a igualdade de gênero é mudar profundamente o tecido social, uma vez que os preconceitos são internalizados e reproduzidos por todas as pessoas, inclusive por 87% das mulheres que possuem preconceitos de gênero (PNUD). Em uma estrutura machista que limita escolhas, oportunidades e direitos, nenhuma mulher é beneficiada. Mais do que isso: as normais sociais que impedem a plena participação feminina na vida comum prejudica toda a sociedade. Para o Pnud, os sistemas de saúde do mundo, por exemplo, poderiam ser mais fortes e eficientes se as mulheres fossem maioria não apenas nos postos operacionais, mas nas posições estratégicas e de influência. No estudo, nações cujos chefes de estado eram mulheres também apresentaram as maiores variações em suas normas sociais.
Transformar o cenário atual só é possível com políticas de proteção, assistência social, quebra de normativas e mecanismos que combatam o discurso de ódio e a desinformação a partir da educação. Para Raquel Laguna, diretora da equipe de gênero do Pnud, políticas de licença parental têm uma alta eficácia no reconhecimento do valor econômico do trabalho de cuidado não remunerado, um passo importante na contestação das normas sociais de gênero. Reformas no mercado de trabalho que alterem crenças sobre o papel da mulher nesse mercado também têm forte impacto, como a recente Lei de Igualdade Salarial entre homens e mulheres, sancionada no Brasil. Com isso, garantias institucionais se tornam aliadas de transformações primordiais na sociedade, pavimentando o caminho para combater preconceitos e ampliar a equidade.
Este conteúdo foi escrito em colaboração com Rubiana Viana.